Descoberta lança luz sobre a história da evolução de tribo do Sul da Sibéria, além da herança que deixou no DNA de populações espalhadas pelo planeta
Quando saíram da África há cerca de 60 mil anos, os homens modernos (Homo sapiens) encontraram pelo caminho outras tribos de humanos arcaicos que já tinham migrado bem antes para a Europa e a Ásia. Até recentemente, os cientistas acreditavam que estes grupos pertenciam a uma espécie única, os neandertais, mas em 2010 análises de fragmentos de ossos e dentes revelaram a existência de pelo menos mais um outro grupo, os denisovans, referência ao nome da caverna nas Montanhas Altai, no Sul da Sibéria, onde eles foram encontrados. Agora, pesquisadores conseguiram sequenciar o genoma completo do indivíduo a quem os restos pertenciam, uma mulher jovem, lançando nova luz sobre a história do relacionamento entre nossos ancestrais e estas tribos arcaicas e a herança que elas deixaram no DNA de populações espalhadas pelo planeta.
Segundo os cientistas, o genoma denisovan mostra que o grupo tem mais similaridade com os neandertais do que com os homens modernos, reforçando a hipótese de que ambas espécies se diferenciaram depois de um ancestral comum ter deixado a África entre 170 mil e 700 mil anos atrás, período em que descendentes deste mesmo ancestral que teriam continuado no continente acabaram evoluindo para o Homo sapiens. O sequenciamento confirmou que genes exclusivos dos denisovans estão presentes em algumas populações humanas atuais, particularmente nas ilhas da Oceania e do Pacífico, chegando a contribuir com algo entre 3% e 5% do DNA dos aborígenes de Austrália, Papua-Nova Guiné, Filipinas e Melanésia, numa prova de que integrantes do grupo conviveram e tiveram filhos com os humanos modernos que atravessaram a Ásia a caminho da região.
Mistério ao sul do Saara
Estudos anteriores já tinham demonstrado que este tipo de miscigenação ocorreu entre os homens modernos e os neandertais, deixando marcas no nosso DNA, algo como 2,5% dos genes de humanos de quase todos os continentes. A exceção são os povos atuais da África Subsaariana, que teriam 2% de seu genoma vindos de uma população arcaica ainda desconhecida. Mas graças ao parentesco mais próximo entre os neandertais e os denisovans, o sequenciamento do genoma da garota da caverna siberiana permitiu uma compreensão maior desta contribuição. Segundo os pesquisadores, os habitantes originais do Leste da Ásia e das Américas teriam um pouco mais de genes de neandertais do que os europeus.
— Como sequenciamos o genoma denisovan com uma qualidade equivalente ao sequenciamento que fazemos de pessoas vivas, pudemos aprender muito mais sobre a história de nossa origem do que poderíamos de outra forma — afirmou David Reich, do Departamento de Genética da Escola de Medicina de Harvard e um dos autores do artigo sobre a descoberta, publicado na revista “Science”. — A primeira coisa que conseguimos foi confirmar o fluxo de genes entre humanos arcaicos e modernos. Está claro que o material genético denisovan compreende de 3% a 5% dos genomas dos povos aborígenes da Austrália, Nova Guiné, Filipinas e ilhas próximas, mas com este genoma também observamos melhor as contribuições dos neandertais para os humanos modernos.
O detalhamento do genoma denisovan pode ajudar os cientistas a entender melhor por que os Homo sapiens sobrepujaram seus parentes, dominando o planeta. Segundo os pesquisadores, a comparação entre os dados genéticos de humanos modernos, neandertais, denisovans e chimpanzés, os primatas mais próximos de nós, revelou mais de 100 mil mutações de nucleotídeos (as letras do alfabeto do DNA) exclusivas dos Homo sapiens e ocorridas nos últimos 100 mil anos. Destas, oito afetam diretamente genes que se sabe estarem ligados ao desenvolvimento do sistema nervoso e do cérebro.
— Estas mutações aconteceram muito recentemente na história humana e estão em todas pessoas vivas hoje, mostrando o capital acumulado por nós nos últimos passos da evolução do homem — comentou Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig, na Alemanha e líder do estudo. — Embora, no momento, infelizmente, saibamos muito pouco sobre o genoma para dizer com certeza o que elas significam, sem dúvida estas alterações escondem verdadeiras mudanças que foram essenciais para possibilitar a história humana moderna, com o rápido desenvolvimento tecnológico e cultural que permitiu à nossa espécie se tornar tão numerosa, espalhar-se pelo mundo e dominar grande parte da biosfera. Assim, creio que uma das coisas mais fascinantes desta pesquisa será nos dizer no futuro o que nos fez tão especiais em comparação com os denisovans e os neandertais.
Além disso, o sequenciamento do genoma denisovan forneceu as primeiras pistas sobre como deveria ser a aparência dos integrantes deste grupo. Os poucos fragmentos de ossos e dentes da caverna siberiana são os únicos registros fósseis conhecidos destes humanos arcaicos e, na falta de um esqueleto, ou mesmo de um crânio, completo, os pesquisadores puderam apenas verificar que a garota traz marcas genéticas hoje associadas com uma pele mais escura, com olhos e cabelos castanhos.Fonte Jornal O Globo/ Ciência_01_09_2012